Quem protege as mulheres na Turquia? (um breve caso de estudo)

Na foto, duas mulheres, uma turca e outra portuguesa. Uma amizade nascida em Bratislava, na Eslováquia, pelo programa Erasmus+, que perdura até aos dias de hoje e simboliza a união entre as mulheres destes dois países. Foto de 2018, na região da Capadócia, Turquia

A cada semana, uma vítima.

A cada dia, aumenta o sentimento de impotência.

Tem sido este o sentimento que escalou a revolta. Não haverá mais silêncio das mulheres turcas.

O número de mulheres turcas assassinadas por homens tem vindo a aumentar, atingindo um total de 474 vítimas em 2019 (3). Como resposta, usaram as redes sociais para partilhar fotos suas a preto e branco, demonstrando que poderão ser elas mesmas a próxima vítima a surgir nos noticiários.

Foram para as ruas em protesto, pois um voto de pesar do Presidente não lhes chega.

A Turquia situa-se entre a Europa e a Ásia, estando a cidade mais conhecida internacionalmente, Istambul, dividida entre os dois continentes. A religião predominante é o Islamismo (com pequenas minorias de cristãos e judeus) e a língua oficial o Turco.

Entre 1923 e 2018, a Turquia foi uma democracia representativa parlamentar. Contudo, em 2018 o novo regime político baseado num sistema presidencialista deu ao Presidente inúmeros poderes, antes não detidos por este (1). Este poder (praticamente absoluto) levou a que, inclusive, o sistema jurídico seja maioritariamente controlado pelo executivo.

Apesar do país estar integrado em diferentes organizações mundiais, (por exemplo, ONU, OCDE), as questões dos Direitos Humanos têm sido objeto de controvérsia com mais de 1600 julgamentos pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, entre 1998 e 2008. Estas controvérsias levaram a que o seu pedido de adesão à União Europeia, em 1987, ainda não tenha sido aprovado (2).

Em termos de comparação, a Turquia, culturalmente, é muito diferente de Portugal. Porém, algo terrível nos une: a violência contra as mulheres.

Um dos casos mais recentes na Turquia, de junho deste ano, relata a história de uma jovem estudante de 27 anos, Pınar Gültekin, que foi agredida e espancada até à morte sendo depois queimada numa lixeira e coberta com cimento. O conhecimento no país deste caso foi uma nova faísca junto do rastilho que são anos de impotência ao verem notícias de vidas retiradas cedo demais. Com base neste acontecimento, milhares de mulheres começaram a sair à rua em protesto, com medo de serem as próximas (4). Protestam pelo direito a viver.

Poderíamos considerar esta situação idêntica à de Portugal, onde os números de violência doméstica continuam a assustar o género feminino (em 2019 houve um aumento de 40% face a 2018) (5). De acordo com os resultados de um estudo de amostra ampla na Turquia (2015), geralmente, as taxas de violência doméstica contra as mulheres são de 35,5% para violência física, 43,9% para violência emocional, 30% para violência económica e 12% para violência sexual (6). Em muitos casos, o assassino sai impune, sendo que se culpabiliza a vítima como tendo agido por merecer o que lhe aconteceu. Ou que o assassino cometeu algo num momento em que agiu passionalmente. Algo que nos soa familiar. A Beatriz Lebre também teve o fim da sua vida retratado nos media como uma “paixão doente”. Muitas das mulheres que têm divulgado a situação têm recebido comentários cheios de ódio e em alguns casos até de difamação.

Não é apenas uma questão de opressão religiosa, como poderemos pensar pela representação que nos chega da religião islâmica, mas, no entanto, seria injusto e erróneo. O papel da religião é importante, sim, uma vez que é invocado o dever de obedecer da mulher, mas não é um sentimento consensual do país.

Lembremo-nos que todo o ser humano tem direito à vida (7) e violência contra as mulheres é uma violação dos direitos humanos, incluindo o direito à igualdade e não discriminação; os direitos da vida, liberdade, autonomia e segurança da pessoa; direito à privacidade; e o direito a um padrão de saúde acessível. Embora exista uma preocupação generalizada sobre o tema, os programas de prevenção são poucos e distantes na Turquia (8).

A Convenção de Istambul, adotada em 2011, e em vigor em Portugal desde 2014, é um tratado internacional de direitos humanos, incluindo um quadro jurídico abrangente para a prevenção da violência contra as mulheres.

Apesar da Turquia ter sido o primeiro país a ratificá-la, o Presidente pondera agora retirar-se da convenção, espelhando a mesma intenção da Polónia, ou da Hungria que, apesar de ter assinado, recusa-se a ratificá-la (9–11). Isto pode deixar as mulheres ainda mais frágeis, uma vez que a já escassa proteção legal pode tornar-se inexistente. Por isso, uma das intenções das manifestantes é que as autoridades cumpram o dever de colocar em prática a lei nº 6284 daquele ordenamento jurídico.

O que se passa com as mulheres num país, diz respeito a todos e todas nós. Mas agora dirigimo-nos mais às mulheres como nós. Sabemos que por vezes nos sentimos pequenas perante um problema gigante e, por mais cliché que soe, somos mais fortes juntas. A nossa luta é também a luta delas. São mães, amigas, estudantes e pedem apenas para sobreviver e que acabe a culpabilização daquelas que são vítimas. O mesmo que nós pedimos todos os dias.

Cabe a cada um de nós pensar mais no outro. As redes sociais trouxeram muitas coisas, inclusive a possibilidade de serem uma plataforma onde se obtém e partilha informação. Podemos ter 100 seguidores, podemos ter 1000. O que interessa não é o número, mas sim o papel ativo que temos em dar a conhecer o que se passa. E é isso que fazemos aqui, because world needs you, não importa onde estejas.

Deixamos aqui algumas formas simples de ajudar ou onde procurar mais informação:

Plataforma: WE WILL STOP FEMICIDE

Petições:

Referências:
1. Ankara. Recep Tayyip the First – Erdogan inaugurates a new political era in Turkey | Europe | The Economist. https://www.economist.com/europe/2018/06/28/erdogan-inaugurates-a-new-political-era-in-turkey. Published 2018. Accessed August 1, 2020.
2. Parlamento Europeu. Reavaliação das relações entre a UE e a Turquia | Atualidade | Parlamento Europeu. https://www.europarl.europa.eu/news/pt/headlines/world/20170426STO72401/reavaliacao-das-relacoes-entre-a-ue-e-a-turquia. Published 2020. Accessed August 1, 2020.
3. AGOLLI R, AGOLLI L. Preventing and Combating Violence Against Women: Case of Turkey. J Aware. 2020;5(1):71-76. doi:10.26809/joa.5.006.
4. Malekian S. Iranian and Turkish women join black-and-white Instagram challenge – ABC News. https://abcnews.go.com/International/iranian-turkish-women-join-black-white-instagram-challenge/story?id=72084792. Published 2020. Accessed August 1, 2020.
5. APAV. Estatísticas APAV – Relatório Anual. Lisboa; 2019.
6. Gul H. Intimate Partner Violence (IPV) Types Are Common Among Turkish Women From High Socioeconomic Status and Have Differing Effects on Child Abuse and Contentment With Life. North Clin Istanbul. 2020. doi:10.14744/nci.2020.46514.
7. Organização das Nações Unidas. Declaração Universal dos Direitos Humanos. https://www.ohchr.org/EN/UDHR/Documents/UDHR_Translations/por.pdf. Published 1998. Accessed August 1, 2020.
8. Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres. Convenção de Istambul. https://plataformamulheres.org.pt/artigos/direitos-humanos/convencao-istambul/. Published 2020. Accessed August 1, 2020.
9. Ankara. Turkey may consider withdrawing from Istanbul Convention: AKP official – Turkey News. https://www.hurriyetdailynews.com/turkey-may-consider-withdrawing-from-istanbul-convention-akp-official-156247. Published 2020. Accessed August 1, 2020.
10. Murray S. Istanbul Convention: Poland’s plan to quit domestic violence treaty causes concern | Euronews. https://www.euronews.com/2020/07/27/istanbul-convention-poland-s-plan-to-quit-domestic-violence-treaty-causes-concern. Published 2020. Accessed August 1, 2020.
11. Didili Z. Hungary refuses to ratify Istanbul convention on violence against women | New Europe. https://www.neweurope.eu/article/hungary-refuses-to-ratify-istanbul-convention-on-violence-against-women/. Published 2020. Accessed August 1, 2020.

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