América Latina: o perigo e as consequências de se (poder) ser Mulher!

No mundo contemporâneo não deveria ser permitido, aceitar-se, sequer, pensar na possibilidade da prática de atos de violência. Sejam eles contra quem for. Pois, quanto a nós, trata-se de uma atitude reprovável.

Mahatma Ghandi afirmava ser contra a violência «porque parece fazer bem, mas o bem só é temporário; o mal que faz é que é permanente».

Mas, no fundo, e para reforçar a ideia, Jean Paul Sartre afirmava: «A violência, seja qual for a maneira como ela se manifesta, é sempre uma derrota».

Em 2013, num estudo publicado pela Organização Mundial de Saúde, estimava-se que 35 por cento das mulheres em todo o mundo haviam sofrido de violência. Nesse mesmo estudo, e através de dados recolhidos, foi possível mostrar que as mulheres que sofreram de violência (nomeadamente, a física ou sexual) apresentaram mais chances de abortar, de contrair doenças sexualmente transmissíveis e maiores taxas de depressão, em comparação com as mulheres que afirmaram não sofrer qualquer tipo de violência (1).

Estimou-se que 87.000 mulheres foram assassinadas, globalmente, em 2017. Mais de metade das mulheres (50.000, correspondendo a 58 por cento) foram mortas pelos seus parceiros ou elementos ligados à família. Estima-se que pelo menos 137 mulheres por dia, em todo o mundo, são assassinadas pelos seus parceiros ou familiares chegados (4).

Para além dos dados recolhidos no estudo anterior, a PAN AMERICAN HEALTH ORGANIZATION (PAHO) elaborou um relatório acerca da violência contra as mulheres. Concluíram que a violência contra as mulheres está diretamente relacionada com os desfechos de foro sexual e reprodutivo, sendo ainda possível descrever que uma em cada quatro mulheres relataram terem sofrido de violência por um parceiro íntimo. Estes são dados recolhidos de entre os 7 países que representam maiores taxas de Feminicídio em todo o mundo: El Salvador, Guatemala, Nicarágua, Equador, Peru, Colômbia e Bolívia (2).

As informações de 15 Estados da América Latina demonstram que, no mínimo, 3.287 mulheres foram vítimas de Feminicídio em 2018, constando El Salvador no ranking com a taxa mais elevada – 6.8 mulheres em cada 100.000 mulheres (3).

É na América Latina que os casos de violência contra mulheres que dão origem ao Feminicídio, se revelam com maior acutilância. Entre 2015 e 2018, no México, subiram de 411 para 898 o número de assassinatos de mulheres por razões de género. No Brasil houve um aumento de 12 por cento, entre 2017 e 2018: 1.206 mulheres assassinadas (4).

Se estes números assombram e assustam a realidade de ser mulher na América Latina, ao mesmo tempo eles deveriam envergonhar qualquer cidadão do mundo, pois não é aceitável, em qualquer momento, que se coloque em causa a vida humana por questões de género.

Estamos perante uma discriminação estrutural das mulheres que, muitas vezes, passa ao lado dos decisores políticos. O poder legislativo não tem dada a devida atenção aos assédios, nomeadamente, sexuais, no trabalho, nos ambientes de educação, nos transportes coletivos, nos locais públicos, entre outros, que colocam em causa diariamente a dignidade de milhares de mulheres por todo o mundo. 

Esta é uma discriminação que restringe, priva e não democratiza a liberdade de ser mulher. Uma discriminação que se revela, muitas vezes, institucionalizada quando existe um impacto particular, por exemplo, nas mulheres jovens, quando estão perante situações de aborto e são perseguidas, denunciadas e marginalizadas na sociedade civil.

Caso disso é o exemplo da jovem Belén, uma mulher argentina de 27 anos. No ano de 2014, Belén deu entrada no hospital de Tucumán com uma hemorragia vaginal. O médico das urgências, declarou no seu diagnóstico como um “aborto espontâneo”. Porém, o terror foi mais além: Belén foi acusada de se ter visto livre do feto numa das casas de banho do hospital. A polícia prendeu Belén. Foi condenada a 8 anos de prisão por homicídio agravado, num processo cheio de irregularidades. Dado o alcance da situação, com o apoio da Organização das Nações Unidas e da Amnistia Internacional, Belén cumpriu dois anos na prisão e foi absolvida. Dois anos numa prisão por um crime que não cometeu, simplesmente, por ser mulher. Simplesmente, para que o poder judicial se fizesse valer de um exemplo para a sociedade, mas que acabou por ser um exemplo para o próprio poder judicial para não condenar jovens mulheres inocentes.

Este não pode ser o Mundo de hoje!
O Mundo que conhecemos e onde vivemos, só será mais Mundo, quando a convivência em Humanidade se revelar, claramente, através de um forte compromisso na execução da liberdade, auto determinação e cumprimento dos direitos e deveres das pessoas.

Enquanto não olharmos para o Mundo como um grito de que somos “todos iguais, mas diferentes”, nunca iremos conseguir compreender que a diferença que nos separa é a igualdade que nos junta.

Este, não é de facto o mundo contemporâneo. Não é o mundo atual que permite ser-se, para se ser mais.

World Needs more Equality.
World Needs more Rights.

[1] Organização Mundial da Saúde, Departamento de Saúde Reprodutiva e Pesquisa, Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres, Conselho Sul-Africano de Pesquisa Médica (2013). Estimativas globais e regionais da violência contra as mulheres: prevalência e efeitos sobre a saúde da violência conjugal e violência sexual não conjugal

[2] Violence Against Women in the Americas: Data and Action (PAHO) (2018), Violence Against Women, https://www.paho.org/hq/index.php?option=com_content&view=category&layout=blog&id=1505&Itemid=2459&lang=en, Acesso a 06 de agosto de 2020, às 02:17

[3] https://oig.cepal.org/es/indicadores/feminicidio, Acesso a 06 de agosto de 2020, às 02:05

[4] Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) (2019). Global Study on Homicide 2019, p. 10
[5] https://elpais.com/internacional/2017/03/27/argentina/1490648400_185209.html, Acesso a 06 de agosto de 2020, às 02:48